Quis sair correndo sozinha por aí

Maldita hora que tive vontade de ver isto acontecer. Quero dizer, eu lembrava desse garoto no colégio, pensei que ele poderia estar um pouco diferente, já que anos se passaram, mas não! Ele continua igualzinho a quem era. Não só fisicamente.


Devo admitir, adorei o perfume dele. O problema é que apenas o cheiro não é o bastante para me convencer. Sim, me convencer... De que ele realmente merece a Rafaela. Pobre coitado, não consigo imaginar o motivo pelo qual ela se interessou “nessa coisa”. Não que ele seja tão desprezível assim, mas espera aí, não é? Sinceramente, partido muito fraco. E estamos falando da Rafaela, afinal.


Tudo bem, não sou a mais indicada para falar sobre o assunto. Isso porque ele é o tipo de pessoa que eu menos gosto: simpático demais. Aparenta ser tão artificial, é assim que essas pessoas são vistas, pelo menos por mim. Todo tempo que passou e o pirralho não amadureceu. Pior que eu ainda revido o sorriso dele. Por que diabos estou agindo desta maneira?


Se eu pudesse (e não que não pudesse) teria saído correndo sozinha por aí. E ir sozinha era importante demais. Porque quem quer que tentasse me seguir só iria absolver meu abatimento físico e psíquico. Vendo de perto agora, aquilo tudo era tão ridículo para mim: esse bar, essa mesa, essas cadeiras, essa música, essa bebida, esse cigarro, essas pessoas, esse garoto...


É fato que, eu definitivamente não estou bem. Tenho sido um peso para Rafaela. E ela está sentindo falta de um namorado (e de mim também, ou pelo menos de quem eu costumava ser). Logo, só pude ter uma percepção otimista do resultado de hoje porque adorei a idéia de ela estar conhecendo alguém. Eu quero que ela fique bem, apenas isso, já que eu não posso experimentar esse mesmo sentimento.


Nossa! Como estou sendo dramática. Odeio ser dramática! Odeio pessoas dramáticas. Não tanto quanto pessoas simpáticas, talvez. Essa minha mente infeliz e conflitante, minha esperança é que um dia ela venha a se explodir, pois não tenho coragem de me matar. Covarde! Isto que sou. Se eu fosse corajosa o suficiente faria exatamente o que eu quero.


Deus! Deus! Deus! Só não deixe faltar o dinheiro dos meus cigarros. Pelo menos eles me deixam mais calma. E olha só, não estou fumando maconha, estou? Não é tão ruim assim. Então! Vinte dois cigarros ao dia, é tudo o que peço. Meu número preferido! Por hora não será necessário mais do que isso.


Acho que tenho sorte com meus amigos. Se é que posso chamar de sorte. Eles não fumam, bebem pouco, embora as vezes fiquem bêbados. Deixam claro que não gostam que eu fume, mas não me excluíram do grupo. Se fossem outras pessoas provavelmente já teriam me banido. Vendo por outro ponto, eu poderia ter amigos mais doidos que me permitissem fazer mais loucuras. (...). Droga! Esqueci por um momento que sou covarde.


Foi hilário quando ele chegou. Os dois estavam bastante envolvidos. A Rafaela estava com uns olhos tão esperançosos. Eu sinceramente comecei a ficar suando frio por ela, e por instantes até parte do meu cérebro destinada ao meu eu que martela minha cabeça ficou inoperante, transferiu-se para dar atenção ao momento.


Papo vem, papo foi. Rafaela demorou bastante para perceber que ele não serviria para ela. A verdade é que ele não a merece. É como dar a César o que é de Jesus. Tão desproporcional! Internamente eu ri de forma maníaca.


Minha psicóloga disse que eu tenho que tentar me concentrar mais no meu dia-a-dia e eu acabei de obedecê-la, pois meu foco por um tempo foi apenas eles, estou orgulhosa. Descobri que estou com problemas quanto à minha coerência. Abruptamente mudo de assunto ou ignoro qualquer um que esteja a minha volta, excetuando a Rafaela. Bom, este último distúrbio não tem a ver com incoerência, tem? Enfim!


Você deveria estar aqui comigo, para ver como esse garoto é estúpido. Viu que não conseguiu nada com a Rafaela e agora está de papo com a Renata. Não entenda por essas palavras que ele estar dando em cima dela, porque não, não está. Está apenas procurando um escape para agüentar esta noite sem graça. Tenho certeza que por dentro ele deve estar mal, muito mal. Porque não conseguiu o que queria, não agradou à Rafaela.


"Tadinho" dele. Se eu pudesse ajudá-lo eu até o faria. Não oferecendo minha melhor amiga, claro. No entanto, eu não estou conseguindo nem me ajudar, imagina aos outros. Minhas últimas forças servem apenas para fazer alguma coisa pela Rafaela, nem que seja apenas para me deixar mais leve e assim ela possa me suportar. Qualquer dia desses se ela cair na real e descobrir que romper nossa amizade é a melhor coisa para ela eu estarei completamente ferrada.


E sei que no fundo é o que eu deveria fazer. Brigar com ela por qualquer motivo e gritar que ela não me procurasse mais. Tenho medo do que poderia acontecer comigo. Como já disse mil vezes para mim mesma e duas vezes para você, sou uma covarde. Pagarei o preço, ou melhor, comecei a pagar faz alguns meses.


Rafaela conversou comigo quase a noite toda depois que se desinteressou do garoto. Para cada conversa, um cigarro. Até tentei naquele momento parar de fumar os fedidos, mas logo me senti compelida a acender outros. Não queria que ela cheirasse aquela fumaça comigo, não era justo. Pelo menos eu consegui rir um pouco e me descontrai.


Enquanto isso o pirralho e a Renata estavam em uma conversa embalada. Pareciam estar se dando bem. Percebi que Rafaela não gostou, mas também não fez nada para atrapalhá-los. Pobre Renata, não conseguia enxergar que estava apenas sendo usada. Nunca esperei muito dela, na verdade. Nós nos damos bem, principalmente porque não notei que ela possa ser uma ameaça para minha melhor amizade, falando a verdade. A Rafaela gosta muito mais dela do que eu.


Quando Renata finalmente entendeu o papo furado em que estava envolvida, meu conceito sobre ela já estava mais agravado: lenta demais para a vida. Foi constrangedor para ele, agora não lhe restavam mais alternativas. Acredito que a maior vontade dele era de ir embora. E era mesmo! Tanto que findo a conversa deles não se passaram mais de vinte minutos para ele anunciar a partida. Vai tarde!


Ele nos ofereceu a carona de volta... Que derrotado. Decidimos ficar mais um pouco, a melhor coisa a se fazer era agradecê-lo pela gentileza e pegar um táxi no fim da madrugada. Estava com vontade de ficar mais uma vez bêbada. Quase consegui. Deixa para outro dia então (desde que seja logo).


Colocando os acontecimentos no papel... Começo de noite tenso... Visualização de uma luz no fim do túnel... Um buraco do tamanho da cabeça de um avestruz no chão... Alívio moral por uma chance não perdida... E o príncipe voltou a ser um sapo. Fim!

Queria que ele fosse quem eu espero para mim

Sou complexa, isto é fato. Não me culpo, porém. É que as vezes me dá vontade de fazer especificamente algo, e depois a vontade passa. Não significa que sou instável, pois pelo contrário, sou calma até demais. Gostaria de extravasar de vez em quando.


Tudo começou há alguns anos atrás. Quer dizer, se é que posso chamar de um começo. Estava no meu terceiro ano e o vestibular era tão decisivo para mim. Praticamente não tinha tempo para mais nada a não ser estudar. Foi nesse período que me dei ao luxo de gostar de um garoto da minha sala por três semanas. E é com ele que estou agora, seja loucura ou não.


Nos tempos do colégio, há mais ou menos três anos, ele de alguma forma chamou minha atenção. O típico não estudioso que tira notas boas (embora não excelentes) e que conhece todo mundo. É claro que a maioria das meninas da turma estavam dispostas a namorá-lo se ele assim quisesse. Não que ele fosse um modelo, mas era bonito, elegante e bastante simpático.


Lembro-me de quando ouvi seu nome pela primeira vez: Fernando. É que minhas colegas estavam comentando dele. Já tinha o visto antes, claro, mas depois que descobri como ele se chamava foi engraçado o modo pelo qual ele ficou mais perto de mim, pelo menos na minha cabeça. Não que ele me dirigisse a palavra, entretanto, observar as coisas que ele fazia me tornava de alguma forma mais íntima.


É, eu realmente fiquei interessada nele naquele tempo e é muito engraçado lembrar das coisas que cheguei a pensar de nós dois. Talvez minha paixonite tivesse durado apenas uma semana caso ele não se aproximasse de mim. Na época foi embaraçoso, fiquei em dúvida se a aproximação era para ele ter mais um contato em sua lista de colegas ou se ele também havia ficado interessado em mim.


O fato é que durante essas três semanas ele se dirigia a mim como a qualquer outra menina da sala. As vezes eu até percebia um olhar diferente, embora misterioso. Não me convenci. Não aceitei a idéia colocada na minha cabeça por ninguém mais do que eu, que, de alguma forma, Fernando pudesse estar gostando de mim. Foi neste momento que decidi erradicá-lo do meu coração. Confesso que meu sentimento por ele demorou bem mais do que três semanas para acabar, mas meu cômputo de três semanas foi assim empregado por ter sido este o tempo em que eu realmente queria que rolasse algo.


Acho que fiz o que pude. Eu dei oportunidades para ele ser mais audacioso. E não fiz a linha “agora não tem mais chance” porque na verdade nunca achei que ele estivesse a fim. O vestibular, de qualquer forma, ocupou bem minha cabeça no restante do ano, de forma que depois de um tempo, quando eu o olhava, via apenas um garoto da turma. Ele nunca deixou de me cumprimentar, nem de perguntar como iam meus estudos, mas bom, ele fazia isso com todos da sala.


Ocorre que há uns dez dias nós nos vimos no shopping. Ele veio até mim, me abraçou (bem apertado por sinal) e para minha admiração ficou muito excitado de me reencontrar. Não vou mentir que gostei muito de vê-lo ali. Ele estava tão bonito e continuava com aquele charme que lhe era peculiar. Para ele visivelmente o tempo havia passado mais devagar do que para mim.


Por eu já estar atrasada para o filme que ia assistir, não pudemos conversar. Ainda assim ele pediu o número do meu celular e prometeu ligar para marcarmos algo e colocar o papo em dia. De alguma forma nasceu em mim uma expectativa estranha, que tentei descartar de imediato.


E não é que ele realmente ligou! É, fiquei bastante empolgada, pronto, falei. Ele queria sair apenas comigo. Desta idéia não gostei. Quero dizer, fazia muito tempo que a gente não conversava, e na realidade nunca tivemos muito papo. Além do que, não queria que ele pensasse que eu era fácil demais, pois tenho impressão que já deixei demonstrar antes uma queda por ele.


Eu não aceitei de plano o convite. Disse que sairia a noite com duas amigas e que ele poderia vir com a gente. Ele não gostou muito da idéia, mas eu deixei claro para ele que não iria sair exclusivamente com ele. Dentro de mim, no entanto, brotou uma vontade de sair apenas com ele, e se ele tivesse insistido em sair outro dia comigo, sem mais ninguém, eu provavelmente teria cedido. Devo ter sido bem convincente já que depois de um tempo ele topou sem reclamar.


Neste momento estamos sentados à mesa de um bar. Nós quatro. O Fernando chegou atrasado, por sinal, e estava mais bonito do que o normal. Cumprimentou minhas amigas brevemente de forma afável e depois dirigiu sua atenção a mim.


Fiquei impressionada com o modo de como ele me olhava. Era um olhar de admiração e ingenuidade que eu ainda não sabia que ele era capaz de expressar, e que jamais vi igual novamente. Se eu não o conhecesse bem, poderia afirmar que ele um dia gostou de mim e que não me esqueceu por todo esse tempo que passamos sem se ver.


Quando começamos a conversar eu senti que realmente estava interessada nele. Ele possuía tantos sonhos, certamente tinha um futuro bastante promissor e não tenho dúvida de que, quem quer que fosse a escolhida por ele, seria muito feliz. Esta forma de analisar os fatos é estranha, não? Quer dizer, eu não me personifiquei na “garota felizarda”. Ela era apenas outra, e não eu.


Mesmo sem entender, conforme o papo foi desenrolando, fui me cansando e de repente percebi que não estava mais me importando com o assunto. Enquanto ele falava eu surpreendi a mim mesma, por me ver pensando em qual motivo aquele garoto havia me despertado atração. Não, agora ele não parecia mais ser alguém com quem eu namoraria. E eu sei exatamente o motivo: jovem demais.


Quero dizer, ele tem uma conversa até legal, parecida com a minha. Mas sua aparência jovial, seu sorriso... Meu perfil é de homens mais velhos, sérios. Como pude não perceber antes que ele não serviria para mim? Eu estava sendo cruel? Meu pensamento seguinte foi de que o mundo dá voltas... Ele estava visivelmente me dando mole, muito mole. Senti-me má.


Pelo menos sábia foi minha proposta de sair acompanhada da minha melhor amiga, Mirela, que conheço desde a época do colégio. E também com Renata, uma garota que entrou em nosso grupo, ela é de Curitiba e havia chegado à minha cidade fazia pouco tempo.


Mirela não estava passando uma fase boa da vida, e é por esta razão que para todos os lugares que eu ia, arrastava-a, ainda que contra sua vontade. Tenho medo de ela entrar em depressão novamente. Da última vez a barra foi realmente pesada, embora não tenha durado muito. Ao não dar mais tanta atenção ao Fernando, meu pensamento e minha face se voltaram para ela. Eu sei que deveria (e estava tentando com todas as forças) ajudá-la. Na verdade, eu não gostaria de ter marcado esse encontro na presença dela, no entanto, como ela conhecia um pouco o Fernando, ficou de certa forma empolgada para ver tudo acontecendo.


Eu peguei em sua mão e percebi claramente que estava tremendo um pouco. Perguntei como ela estava: "muito bem", respondeu, com um sorriso fraco. Era óbvio que estava mentindo. O cigarro, que estava suspenso em sua outra mão, foi longamente tragado. O encontro para mim, já frustrado, não estava sequer em segundo plano agora. Eu não me sentia mal por isso. Sou insensível? Eu me acho tão sensível. Muitas vezes me sinto um enigma para mim mesma.


Após algum tempo de silêncio entre o Fernando e eu, percebi que ele começou a conversar freneticamente com a Renata. Não demorou muito e eles estavam rindo juntos. Mas não passou pela minha cabeça que ele estivesse atirando para todos os lados. Quer dizer, será? Não gostei para falar a verdade, soou falso. Poderia ele estar tentando fazer ciúmes em mim? Preferi acreditar que ele buscou uma forma de não ficar tão deslocado no meio de nós três, afinal, ali era o único não amigo de ninguém. Eu pedi para Renata, no momento em que fomos juntas ao banheiro, para ela não dar tanta bola para ele. Gostei porque ela entendeu a situação e agiu conforme minha súplica.


Ao final, minha consciência estava tranqüila. Tentei, disso não posso reclamar (nem receber reclamação). Cheguei a pensar que ele fosse aquele que eu tanto espero. Mas não, ele não é. Eu gostaria tanto que fosse. Seria tão mais fácil. Eu deveria saber que minha história de amor não iria se desenrolar tão facilmente assim. Eu sofrerei por mais tempo, por muito mais tempo na verdade. Só espero que esse tempo seja viável para mim, que não se torne um dia que nunca chegará. Não agüentaria viver por todo o meu sempre sem a presença de quem eu quero.

Quero roubar uma amizade

É meio engraçado falar sobre o tema, principalmente porque ele é especialmente resumido de maneira completa em seu título, mas ainda assim não deixa de ser interessante, ou pelo menos bizarro, embora não seja de maneira nenhuma irracional, pois por vezes esta é a aparência, justificada pelas referências controvertidas e até mesmo antagônicas que trago.

Sabe aquela pessoa que você sempre sonhou em conhecer melhor e nunca teve nenhuma oportunidade? Pois é! Mas aqui ainda não me refiro ao roubo da amizade, e sim de outrem, com quem rola algo mais, como eu poderia dizer... Algo mais.... Intenso. É! Acho que você conseguiu entender o que quero dizer, se não conseguiu, tudo bem, te falo com todas as palavras: interesse que passa de mera aproximação, onde resultaria em boa conversa e divertimento, me refiro especificamente a um possível envolvimento carnal.

Engraçado falar deste assunto com essas palavras, soa tão sórdido, ou tão promíscuo. O que quero dizer é algo simples, sem adição de transas ou afins, e sim do básico que sabemos: ver uma pessoa, achá-la interessante, conhecê-la melhor e por fim descobrir o que pode rolar entre vocês, desde beijinhos até um relacionamento mais sério.

Você está lá, conseguiu aquele encontro pelo qual vinha sonhando há meses, e às vezes até mesmo anos. O começo é legal, surgem elogios das duas partes e você tem certeza que está dando tudo certo. O problema é, não estamos a sós, ela trouxe consigo duas amigas e bom... Ou você saia com elas junto de quem você queria, ou não sairia com ninguém.

Então, por avaliar a situação e saber que era sua única chance, sua única alternativa, você estava lá. Meio sem graça, claro, mas totalmente esperançoso e até mesmo um pouco radiante para olhos normais.

Pena que da metade para o final daquele encontro, se é que pode ser assim chamado pela presença de tantas pessoas que não deveriam estar lá, parece que o interesse dela diminuiu, ela não te dirige mais a palavra, prefere ficar falando com as amigas.

Terrível fica o seu sentimento de incapacidade, e seus pensamentos convergem para tentar descobrir o que você teria feito para afastar a atenção de quem você tanto queria. O querer, não de maneira sincera e cego, mas sim um querer por dúvidas, por ter despertado em sua mente a possibilidade de ser vítima de um tamanho achado que só o tempo seria capaz de esclarecer.

De toda sorte, você acaba sendo compelido a pelo menos se entrosar mais com as amigas dela. Uma delas, bom, você sabe que nunca terá acesso caso esta ocasião reste frustrada. Entenda este acesso como amizade. É que se trata da melhor amiga dela, de muito tempo atrás. Sempre, sempre você quis conhecer melhor esta outra garota, pois ela se mostrou ser muito diferente das outras após algumas de suas investigações. Ela poderia ser vítima do seu motivado ato furtivo, sem você nem precisar pestanejar ou pensar muito. No entanto, já era sabido por você que uma amizade dessas era quase impossível, pois esta garota se portava como um pulmão daquela por quem você está interessado. Assim, ainda que até mesmo ela tenha interesse em se aproximar de você, ela não o fará.

Esta regra faz parte do Código das Amizades, pois você poderá ver uma amiga deixar de ser amiga de sua melhor amiga para ficar com você. Mas você nunca vai ver uma amiga deixar de ser amiga de sua melhor amiga para tornar-se boa amiga ou até mesmo melhor amiga de uma pessoa que sua melhor amiga não quer ver para não gerar constrangimentos. Ficou meio ambíguo os pronomes “sua” deste parágrafo, mas leia-os como referentes a amiga e não a você.

Claro que é necessário levar em conta para análise desta regra que a amizade preexistente já passou por muitas situações de provas e por isso tornou-se praticamente inabalável.

Bom, então com essa amiga dela você especificamente não tem chance de aproximação. A barreira entre vocês é intransponível, baseada no metal forjado em ninguém menos do que a Amizade em pessoa. Entretanto, você pelo menos aproveita a oportunidade para saber um pouco sobre ela, seus gostos, objetivos e estado emocional.

Mas, já a segunda amiga dela, você sabe que embora seja muito amiga, não chega perto de ser como a anterior descrita. E é especialmente para ela que sua atenção é direcionada, pois a seus olhos ela parece ser a pessoa errada, no lugar errado, fazendo coisas erradas.

Um comentário que ela fez no carro, durante o percurso de um lugar a outro, já lhe demonstrou o quanto ela poderia se tornar sua amiga, muito próxima por sinal, e só não melhor amiga porque este cargo já estava muito bem preenchido.

Uma vez visto que não iria rolar nada entre você e a dita cuja, você pensa que pelo menos poderia roubar-lhe aquela amizade. Porque ela era tão visivelmente valiosa, ela era tão especial. Por que você não tinha conhecido-a antes? Antes de ela ter de passar por tudo aquilo que você um dia rejeitou e repudiou?

A sorte é assim, ela acaba vindo para todas as pessoas. Acontece que para umas vem mais cedo e, por conseguinte, para outras mais tarde. As vezes, tão tarde, que a espera resultou em uma cegueira permanente, fazendo com que surja uma incapacidade de identificar a dádiva retardatária.

E foi assim como achei que ela estava, cega. Diante de seus olhos estava você, uma mão estendida para fazê-la entender que ela deveria estar em outro lugar, respirando ares que valessem a pena. O pior de tudo é que por mais que tenha tentado mudar a realidade desta menina, seus esforços restaram frustrados, pois já era sabido por você que era impossível estender a mão até onde ela estava, seu braço não era tão comprido.

Ainda assim sua expectativa de roubo não foi totalmente abalada, pois quem sabe você poderia dar uma de super-herói e fazer seu braço esticar até pegá-la firme pelo punho.

Você deveria se sentir mal por querer ser tão amigo, tão íntimo dela se você já tinha melhor amiga? Falando assim até parece que sua melhor amiga, afinal, não era o suficiente, mas esta opinião se mostra errada em todos os pontos. O fato de você querer muito ser amigo daquela menina, não quer dizer que sua melhor amiga não mais lhe bastasse, pois eram relações que pelo sentir, você sabia que eram distintas.

Seria esse um fenômeno espiritual? Parece aquelas histórias onde duas pessoas que nunca antes haviam se visto, mas de repente, ao se encontrarem, se entenderam tão bem que poderia se afirmar que era um reencontro de vidas passadas.

Mas ela estava vendada, e ela não me reconheceu. Mesmo depois de tanto tempo sem nos vermos. No final das contas, eu nem fiquei tão triste porque não consegui êxito com aquela do começo, aquela que tanto esperei; fiquei triste porque não consegui ajudar quem eu tanto queria, quem tanto valia para mim.

Como pode isso acontecer? Eu me perguntei o tempo todo por um período se no final das contas ela iria me perdoar, porque eu não a resgatei, quando talvez pudesse. No entanto, também me veio à mente que ela poderia nunca antes da morte me descobrir, como eu a descobri.

E eu vi em torno dela correntes que eu não seria capaz de quebrar em tão pouco tempo. Se eu pudesse, teria me estendido, e eu tentei. Porque eu sabia que minha aproximação daquele metal traria o fenômeno da oxidação. Entretanto, não me foi permitido ficar próximo dela, porque aquela por quem eu me interessei não permitiu.

E é por isso que eu lamento, e sempre vou lamentar. Porque ela era tão leal, tão sincera, tão inocente, mas se encontrava desnorteada diante de mim e embora tenha tentado, não consegui dar-lhe um rumo.

Como eu queria ter roubado aquela amizade, por um tempo inclusive apenas para mim. E é por isso que, se em algum outro dia eu tiver a oportunidade de fazê-la livre, eu não hesitarei.

Eu disse QUASE.

A minha memória não é das melhores, sabe? E, francamente, não acho que ela seja capaz de armazenar tantas informações. É por esta razão que preciso arquivar tudo o que imagino, ou pelo menos tento.